Neuroendoscopia - Dr. Egmond Alves

Neuroendoscopia

Introdução

A técnica neuroendoscópica tem sido muito utilizada para o tratamento de várias patologias intracranianas. O primeiro procedimento neuroendoscópico foi realizado em 1910, pelo urologista Victor Darwin. Para tal procedimento foi utilizado um cistoscópio em dois pacientes com o objetivo de tratamento da hidrocefalia através da coagulação do plexo coróide. Em 1922, Walter Dandy foi o primeiro neurocirurgião a realizar um procedimento neuroendoscópico identificando o plexo coróide em pacientes com hidrocefalia. Durante alguns anos, o procedimento foi realizado em poucos centros no mundo principalmente para o tratamento da hidrocefalia. Entretanto, devido aos maus resultados e à falta de instrumentais adequados, a técnica foi abandonada aos poucos, principalmente após o desenvolvimento das derivações ventriculares para o tratamento da hidrocefalia em 1949.

Imagem Neuroendoscopia

Com a melhoria nos instrumentais, novas pesquisas com neuroendoscopia foram realizadas nas décadas de 1970 e 1980, com sua popularidade aumentando bastante nos últimos 10 anos. Neste artigo, descreveremos a técnica neuroendoscópica e suas principais indicações nas patologias intraventriculares.

Instrumentais

Os procedimentos neuroendoscópicos são realizados através dos portais da cânula do neuroendoscópio. Para tal procedimento, são necessários materiais próprios e com finalidade específica. A figura 1 mostra o kit de neuroendoscopia básico utilizado na maioria dos procedimentos intraventriculares.

Para uma abordagem padrão do ventrículo lateral direito, o paciente é posicionado em decúbito dorsal com leve flexão da cabeça em posição neutra. O endoscópio é introduzido até o ventrículo lateral e durante todo o procedimento é realizado irrigação contínua dos ventrículos através dos canais de entrada e saída de soro. O procedimento é realizado sempre com o cirurgião guiando o endoscópico e o auxiliar introduzindo os materiais de apoio através do canal de trabalho. (Figura 2).

Os endoscópios mais utilizados são o rígido e o flexível. O endoscópio rígido apresenta melhor imagem, além de ser compatível com sistemas de marcação estereotáxica e de neuronavegação. O endoscópio flexível dispõe de menos opções de trabalho, mas permite abordagens mais distantes com menor lesão em parênquima cerebral. O endoscópio rígido é o mais utilizado.

ANATOMIA

Para realização de procedimento endoscópico intraventricular há necessidade de conhecimento anatômico para correta idenficação de estruturas e otimização dos resultados. A principal estrutura anatômica a ser identificada dentro dos ventrículos é o plexo coróide. De uma forma geral, as regiões mais importantes para uma rotina neuroendoscópica são a região do forame de Monro (figura 3), assoalho do III ventrículo (figura 4) e região do aqueduto cerebral (figura 5).

INDICAÇÕES

HIDROCEFALIA

A hidrocefalia é a principal patologia para tratamento endoscópico. De forma didática, são divididas em hidrocefalia comunicante e não-comunicante. A hidrocefalia não-comunicante, ou obstrutiva, é a ideal para tratamento endoscópico. Geralmente causada por obstrução ao fluxo liquórico ao nível do aqueduto cerebral, apresenta várias causas, entre as principais: estenose de aqueduto, tumor da região da pineal, tumor intraventricular e neurocisticercose.

A hidrocefalia comunicante, de uma forma geral, não apresenta indicação de tratamento através de método endoscópico. A hidrocefalia de pressão normal é uma exceção. Geralmente acomete pacientes idosos que desenvolvem dificuldade para marcha, incontinência urinária e sintomas progressivos de demência. No entanto, para um bom sucesso com a terceiro-ventriculostomia nestes casos, o paciente deve ser bem selecionado, de preferência com menos de um ano de história clínica e que não tenha sintomas de demência.

A avaliação pré-operatória deve ser realizada com estudo de imagem através de ressonância magnética (RM) do encéfalo para identificar a causa e planejar o procedimento (figura 6). Através da RM encéfalo são visualizadas as cisternas à frente do mesencéfalo, a disposição da membrana do tuber cinério e o aqueduto cerebral. Os casos em que há pouco espaço à frente do mesencéfalo são de contra-indicação relativa devido ao risco de lesão da artéria basilar.

O tratamento consiste em abrir um novo caminho para a passagem de liquor. Desta forma, é realizada abertura através do tuber cinério e conseqüente comunicação do ventrículo com as cisternas da base (figura 7). A abertura é realizada com cateter de fogarty número 3 ou 4. Após abertura do tuber cinério, realiza-se a inspeção com o objetivo de visualização da artéria basilar (figura 8). A visualização da artéria basilar garante que a comunicação com as cisternas da base foi realizada de forma efetiva. A abertura deve ter cerca de 5mm de diâmetro. Nos casos em que há fechamento desta comunicação, pode ser realizado novo procedimento endoscópico.

Pode ser realizado exame de RM encéfalo para controle que mostrará a presença de fluxo liquórico através da abertura no assoalho do III ventrículo. (figura 9)

TUMOR INTRAVENTRICULAR

Os tumores intraventriculares correspondem a cerca de 12% a 20% dos tumores intracranianos e variam em sua patologia. O procedimento neuroendoscópico para tais casos está indicado na presença de hidrocefalia. As principais indicações são para os casos de tumores no III ventrículo que obstruem o aqueduto cerebral levando à hidrocefalia. Em tais casos, procede-se à biópsia da lesão com realização da terceiro-ventriculostomia para tratamento da hidrocefalia.

Os cistos colóides de III ventrículo também podem ser tratados através de método neuroendoscópico. Tais tumores se localizam anteriormente ao III ventrículo levando a obstrução do forame de Monro e conseqüente hidrocefalia (figura 10). Através da neuroendoscopia, é possível realizar exérese completa do tumor e de sua cápsula (figura 11). Nos casos em que não foi possível a retirada da cápsula, o procedimento pode ser realizado novamente, caso haja recorrência. A taxa de recorrência desta lesão é de menos de 10% em 10 anos. Atualmente, o procedimento endoscópico para os cistos colóides de III ventrículo é a primeira opção de tratamento.

CISTO DE ARACNÓIDE

Os cistos de aracnóide são patologias benignas. A principal forma de apresentação clínica é através de cefaléia ou sinais neurológicos focais. A principal localização é na fissura Silviana. O próprio cisto produz liquor, o que leva ao aumento do seu volume com o tempo. Devido à taxa de produção liquórica ser baixa, os cistos atingem grandes volumes no momento da sua apresentação clínica. O tratamento pode ser realizado através da fenestração do cisto com as cisternas da base ou com a derivação do mesmo. A fenestração pode ser realizada através de craniotomia ou de neuroendoscopia. Atualmente, a fenestração endoscópica é o tratamento de escolha para estes casos. Mostramos caso de paciente do gênero masculino com sintomas de cefaléia crônica diária. Os exames de RM de encéfalo mostraram volumoso cisto de aracnóide temporal direito com grande efeito de massa (figura 12). Através de método neuroendoscópico, foi realizada a comunicação do cisto com as cisternas da base (figura 13). O paciente recebeu alta hospitalar dois dias após o procedimento, com melhora da queixa de cefaléia.

COMPLICAÇÕES

A taxa de complicação com o procedimento endoscópico é baixa, em torno de 2% a 7%, quando comparada com procedimentos maiores. as complicações vão depender da curva de aprendizado do cirurgião e da dificuldade técnica do caso. Geralmente acontecem nos casos em que há grande distorção da anatomia normal devido a uma massa intraventricular ou por múltiplos septos intraventriculares, nos casos das hidrocefalias complexas. A correta identificação das estruturas intraventriculares é passo fundamental para o sucesso no procedimento. Talvez a maior complicação intra-operatória seja a hemorragia. Os sangramentos de pequenos vasos geralmente são controlados com o bipolar ou com a própria irrigação contínua. Os sangramentos de vasos com maior fluxo necessitam de procedimentos mais invasivos. O sangramento arterial direto da artéria basilar é situação de emergência e altíssima gravidade. Quando há suspeita de lesão arterial durante procedimento neuroendoscópico, o paciente deves ser submetido a exame angiográfico para investigação de lesões arteriais. São relatados casos de pseudoaneurismas na artéria basilar após procedimentos neuroendoscópicos.

Outras complicações como déficits de memórias (lesões do fórnix), alterações endocrinológicas (lesões da haste hipofisária), hemiparesia, fístula liquórica, pneumoencéfalo podem ocorrer.

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Imagem Neuroendoscopia Figura 1. Foto ilustrativa de endoscópio rígido com pinças bipolar, monopolar, pinças de biópsia e tesouras. Imagem Neuroendoscopia Figura 2. Disposição da equipe cirúrgica durante procedimento neuroendoscópico padrão. Imagem Neuroendoscopia Figura 3. Visão endoscópica do forame de Monro do Ventrículo lateral direito. São visualizados a veia septal anterior (VSA), veia tálamo-estriada (VTE) e o plexo coróide (PC). No centro da imagem nota-se o forame de Monro (FM), estrutura que dá acesso ao III ventrículo. Imagem Neuroendoscopia Figura 4. Visão endoscópica do assoalho do III Ventrículo. Região dos corpos mamilares (CM) e do tuber cinério (TC). Imagem Neuroendoscopia Figura 5. Visão endoscópica do aqueduto cerebral (AC) e comissura posterior (CP). Esta é a região posterior do III ventrículo, freqüentemente acometida por patologias que impedem o fluxo liquórico normal através do aqueduto cerebral. Imagem Neuroendoscopia Figura 6. Exame de ressonância magnética sagital em T2 identificando membrana (seta vermelha) no aqueduto cerebral como causa da hidrocefalia. Imagem Neuroendoscopia Figura 7. Balão de Fogarty insuflado. Realização da abertura do assoalho do III ventrículo à frente dos corpos mamilares. Imagem Neuroendoscopia Figura 8. Visão endoscópica da artéria basilar (AB) após abertura do assoalho do III ventrículo. É desejável que a artéria basilar seja identificada para ter certeza de que a membrana de Liliequist foi completamente aberta e os ventrículos estejam em comunicação com as cisternas da base. DS: dorso da sela da hipófise. Imagem Neuroendoscopia Figura 9. RM encéfalo sagital FIESTA-T2 mostrando artefato de fluxo liquórico (seta azul) no assoalho do III ventrículo. Tal achado é indicativo de sucesso no procedimento. Imagem Neuroendoscopia Figura 10. Visão endoscópica de cisto colóide de III ventrículo obstruindo o forame de Monro no ventrículo lateral direito. Imagem Neuroendoscopia Figura 11. Paciente feminino, 53 anos, admitida com sinais de hipertensão intracraniana (cefaléia e diplopia). Nos cortes de RM de encéfalo à esquerda é visualizado imagem com hipersinal na região anterior do III ventrículo causando grande dilatação dos ventrículos laterais. A paciente foi submetida a procedimento endoscópico para retirada da lesão recebendo alta hospitalar com melhora dos sintomas 03 dias após o procedimento. Os cortes de RM à direita mostram o controle pós-operatório 01 mês após o procedimento, mostrando a exérese completa da lesão e a redução do volume dos ventrículos laterais. Imagem Neuroendoscopia Figura 12. Exame de RM encéfalo em T2 axial (esquerda) e T1 coronal (direita) mostrando volumoso cisto de aracnóide em fissura Silviana à direita com grande efeito de massa. Imagem Neuroendoscopia Figura 13. Visão endoscópica após abertura da parede do cisto e comunicação com as cisternas carotídea (A) e pré-pontina (B). ACI: artéria carótida interna; A1: primeiro segmento da artéria cerebral anterior; NO: nervo óptico; AB: artéria basilar; P1: primeiro segmento da artéria cerebral posterior; ACS: artéria cerebelar superior; III: nervo oculomotor (III nervo craniano).
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